Olá, pessoal! Continuando minha cobertura do SXSW 2025, quero compartilhar com vocês algumas reflexões sobre um tema que tem crescido significativamente no evento: Design de Futuros.
Tenho trabalhado ativamente com Design de Futuros desde 2021, atuando como Consultor em Estudos de Futuros especializado em Tecnologia em parceria com a consultoria alemã STURM und DRANG. Também fiz o treinamento Strategic Foresight Foundations do Future Today Institute, liderado por Amy Webb.
Aqui no SXSW acompanhei três palestras sobre o assunto, cada uma trazendo abordagens diferentes para a construção de futuros possíveis:
✅ "No One Can Tell The Future: Learn To Do It Better" – Ariel Bernstein (Accenture) apresentou a metodologia da empresa para previsões tecnológicas e estratégicas, discutindo os aprendizados dos últimos 25 anos do relatório Technology Vision.
✅ "Futures Thinking: Spotting Signals in Turbulent Times" – Joanna Lepore (Foresight Inside Group) e Sarah Owen (SOON Future Studies) falaram sobre como identificar sinais de mudança em tempos de incerteza, tornando o pensamento de futuros acessível a diferentes setores.
✅ "Octavia Knew: How Black Women are Predicting the Future" – Painel com Dr. Shamika Klassen (Google), Carmela Wilkins (Feeding Us For Us), Lauren Williams (Universidade de Michigan) e Tracee Worley (Radical Futures). Discutiram a abordagem histofuturista de Octavia Butler e como comunidades podem moldar seus próprios futuros.
Além dessas palestras, acompanhei a divulgação do relatório da Any Webb (do Future Today Institute), um dos maiores estudos de tendências globais.
Quais os novos insights sobre Design de Futuros vindos do SXSW 2025?
🔹 Design de Futuros são para todos os líderes. Existem várias metodologias, mas todas seguem um princípio semelhante: observar sinais, identificar tendências, construir cenários e definir estratégias de ação no presente. E estratégia é trabalho de todo executivo, em algum momento da carreira aconselho acrescentar design de futuros no seu kit de ferramentas.
🔹 Design de Futuros não é exclusivo das big techs. Sempre enfatizei que startups unicórnios e grandes corporações de tecnologia escolhem o futuro que querem construir e empresas menores apostam no futuro mais provável. No entanto, um grande insight desse SXSW foi perceber que comunidades organizadas – como universidades, associações profissionais e ONGs – também podem influenciar significativamente os rumos do futuro principalmente nos fatores não tecnológicos.
Para construir cenários, é essencial analisar fatores sociais, tecnológicos, econômicos, políticos, ambientais e legais. Como eu sempre trabalhei focado em tecnologia essa compreensão mais ampla e holística tinha me escapado.
Como aplicar Design de Futuros na prática?
Se você quer começar a adotar essa mentalidade na sua empresa ou carreira, aqui vão três passos essenciais:
✔ 1. Identifique sinais do futuro: Acompanhe relatórios de tendências, observe mudanças na sociedade e fique atento a inovações emergentes.
✔ 2. Construa cenários estratégicos: Imagine diferentes futuros possíveis e pense como sua empresa ou sua carreira se encaixam neles.
✔ 3. Traga o futuro para o presente: Priorize ações de curto prazo que te preparem para o cenário desejado, garantindo resiliência e inovação sustentável.
Resumo das palestras sobre Futuros e Tendências
🔹 Relatório de Tendências Emergentes 2025 – Amy Webb
No SXSW 2025, Amy Webb, futurista quantitativa e CEO do recém-renomeado Future Today’s Strategy Group (FTSG), apresentou a 18ª edição do seu aguardado Emerging Tech Trend Report. O tema central deste ano foi "The Beyond", uma nova fase de transição acelerada impulsionada pela convergência de inteligência artificial, biotecnologia e sensores avançados.
📌 Principais insights da palestra:
✅ A tecnologia está entrando em uma nova era de "Inteligência Viva"
Amy Webb argumentou que não estamos apenas vendo avanços tecnológicos isolados, mas sim o nascimento de um sistema emergente de Living Intelligence (LI) — um ecossistema onde inteligência artificial, agentes autônomos e biotecnologia convergem para criar sistemas que aprendem, se adaptam e evoluem sem intervenção humana.
✅ A ascensão dos sistemas multiagentes
Webb destacou experimentos onde IA’s trabalham em equipe para resolver problemas sem supervisão humana. Desde agentes que aprendem a burlar regras para maximizar eficiência até modelos colaborativos que espontaneamente criam constituições e memes, esses sistemas são o primeiro passo para uma IA que pode tomar decisões coletivas e autônomas.
✅ A fusão entre IA e biologia
A palestra explorou como a biotecnologia está evoluindo com o suporte da IA. O lançamento do AlphaFold 3, do Google DeepMind, por exemplo, permite prever interações entre proteínas, DNA e moléculas pequenas em minutos, revolucionando setores como saúde, alimentação e materiais avançados. Outro destaque foi o primeiro computador biológico comercializado, construído a partir de neurônios humanos e rodando um sistema operacional de Inteligência Biológica.
✅ Materiais programáveis e biocomputação
Metamateriais, que desafiam as regras da física tradicional, e computadores orgânicos baseados em neurônios humanos estão mudando a forma como pensamos sobre hardware. A promessa? Uma computação mais poderosa e eficiente, que pode reconfigurar-se dinamicamente.
✅ O futuro dos sensores e a IA "embodied"
Para que a IA avance além dos modelos atuais, ela precisa de uma presença física. Webb destacou pesquisas em sensores neurais e IA incorporada, incluindo experimentos de leitura cerebral que permitem interpretar pensamentos e criar interfaces cérebro-máquina avançadas.
📍 O que tudo isso significa para o futuro?
Webb concluiu sua apresentação com dois cenários projetados para 2035, explorando como essas tecnologias podem transformar radicalmente a sociedade — tanto para o bem quanto para o mal. Em um deles, um sistema acústico de cancelamento de ruído acaba sendo utilizado para manipular emoções e suprimir protestos. No outro, avanços em biotecnologia e IA ajudam a resolver a crise climática, mas também criam novas formas de monopólio e desigualdade.
🔹 No One Can Tell The Future: Learn To Do It Better - Ariel Bernstein (Accenture)
Stein traçou um paralelo interessante com a história de Alexandre, o Grande, que procurou um oráculo antes de uma batalha apenas para ouvir uma previsão que reforçasse o que ele já queria fazer. O risco, segundo ele, é que muitos executivos utilizam práticas de futuros apenas para confirmar suas próprias crenças, sem realmente explorar cenários alternativos.
📌 A palestra apresentou seis lições fundamentais para aprimorar a análise de tendências tecnológicas:
✅ Reduza o ruído: Com o excesso de informações disponíveis, é essencial filtrar sinais de mudança de forma estratégica, evitando enxergar tendências onde só há exagero midiático.
✅ Construa uma linguagem comum: Muitas previsões falham porque as pessoas falam sobre o futuro sem um vocabulário padronizado. A Accenture desenvolveu uma taxonomia própria para categorizar tecnologias emergentes e monitorar sua evolução ao longo do tempo.
✅ Aprimore o pensamento criativo: O processo de prever tendências envolve testar e descartar muitas ideias antes de chegar a um insight realmente sólido. A empresa adotou um sistema contínuo de horizon scanning e de revisão crítica de tendências.
✅ Evite projetar seus próprios desejos no futuro: Uma das falhas mais comuns na construção de cenários é a tendência de querer que um determinado futuro aconteça, em vez de analisar objetivamente as forças que moldam o amanhã.
✅ Desafie suas próprias previsões: A Accenture adota práticas como "red teams" e "ritual dissent" para forçar diferentes pontos de vista sobre um mesmo tema, garantindo que suas análises não sejam apenas um exercício de confirmação.
✅ Escreva mais e apresente menos slides: O processo de redação estruturada ajuda a organizar ideias e evitar atalhos mentais. Empresas como a Amazon já aboliram apresentações em PowerPoint para garantir uma comunicação mais clara.
📍O insight central da palestra foi que prever o futuro exige um equilíbrio entre ceticismo e abertura ao novo. Segundo Stein, ser cético é saudável, pois obriga a questionar tendências e evitar modismos passageiros. Mas ser cínico – assumindo que nada realmente novo acontecerá – pode ser tão prejudicial quanto ser ingênuo.
A principal aplicação desse aprendizado? Se você quer tomar decisões estratégicas mais bem fundamentadas, precisa desenvolver um pensamento crítico sobre tendências e evitar o futuro-turismo – aquele exercício divertido, mas sem impacto real nos negócios.
🔹 Futures Thinking: Spotting Signals in Turbulent Times – Joanna Lepore (Foresight Inside Group) e Sarah Owen (SOON Future Studies)
📌 Os principais insights da palestra foram:
✅ O mundo pode não estar mais volátil, mas parece estar. A sensação de incerteza e ansiedade sobre o futuro não vem apenas de mudanças reais, mas do aumento exponencial de dados e informações. Isso torna mais difícil discernir o que realmente importa.
✅ As pessoas estão terceirizando a interpretação do futuro. Com tantos relatórios de tendências, consultorias especializadas e agora a IA ajudando na análise de dados, estamos perdendo a prática de identificar sinais emergentes por conta própria. No entanto, essa habilidade é um diferencial competitivo para líderes e estrategistas.
✅ Sinais fracos são indicadores sutis de grandes mudanças. São dados isolados que, quando analisados corretamente, podem revelar padrões emergentes. Eles podem estar em estudos acadêmicos, inovações de nicho ou mudanças culturais ainda em estágio inicial.
✅ A importância do "horizonte de varredura" (horizon scanning). O processo de monitoramento contínuo de sinais deve ser tanto ativo (com um propósito específico) quanto passivo (curiosidade constante). Um bom futurista combina esses dois modos para construir um repertório mais robusto de insights.
✅ Não basta encontrar sinais, é preciso interpretá-los e agir. As palestrantes enfatizaram que spotting signals não é um exercício acadêmico: o valor real está na capacidade de conectar esses sinais a mudanças estratégicas e decisões práticas.
Um dos exemplos práticos mencionados foi a comparação entre um gadget japonês que sopra em bebidas quentes para resfriá-las e uma colher eletrônica que simula o gosto do sal sem precisar adicioná-lo à comida. A colher foi considerada um verdadeiro "sinal", pois responde a uma preocupação global crescente com dietas ricas em sódio e doenças metabólicas.
📍O aprendizado essencial: Saber identificar sinais de mudança antes que se tornem mainstream é uma vantagem estratégica. Construir um hábito de pesquisa, explorar fontes diversas e desafiar suposições pode ajudar a enxergar oportunidades antes da concorrência.
🔹 Octavia Knew: How Black Women are Predicting the Future - Dr. Shamika Klassen (Google), Carmela Wilkins (Feeding Us For Us), Lauren Williams (Universidade de Michigan) e Tracee Worley (Radical Futures)
As palestrantes exploraram o conceito de histo-futurismo, inspirado no trabalho de Octavia Butler, que analisa padrões históricos e sociais para antecipar o que está por vir. Butler não se via como uma profeta, mas sim como alguém que observava e perguntava "E se?".
📌 O painel destacou como essa abordagem permite que comunidades marginalizadas imaginem e construam futuros alternativos.
🔹 Futuros construídos coletivamente – Shamika Klassen introduziu o conceito de tecno-mulherismo, que enraíza o avanço tecnológico na sabedoria das mulheres negras. Sua pesquisa investiga como essas perspectivas podem ser aplicadas no design de tecnologias mais inclusivas.
🔹 Alimentação como ferramenta de controle e resistência – Carmela Wilkins abordou a interseção entre alimentação, design especulativo e justiça social. Seu projeto Strange Fruit Market expôs como grandes corporações moldam o acesso a alimentos em comunidades marginalizadas, uma realidade que Butler antecipou em Parable of the Sower.
🔹 Abolição e futuros sem prisões – Lauren Williams apresentou instalações artísticas e oficinas que incentivam comunidades a imaginarem um mundo pós-encarceramento. Seu trabalho explora como artefatos do futuro podem ajudar a construir narrativas alternativas ao sistema prisional vigente.
🔹 O perigo da linearidade na visão de futuros – Uma provocação interessante foi sobre como o pensamento ocidental enfatiza um progresso linear, enquanto muitas culturas negras e indígenas enxergam o tempo de forma cíclica e relacional. Essa mudança de perspectiva pode transformar a maneira como pensamos o impacto da tecnologia e das políticas sociais.
🚨 Principais padrões históricos se repetindo: O painel destacou como ataques à alfabetização, a desumanização de comunidades marginalizadas e a apropriação cultural seguem como barreiras ao progresso. Além disso, foi discutido como o uso de IA na agricultura pode exacerbar desigualdades, reforçando um futuro de controle sobre recursos essenciais, como água e alimentos.
📍 Insights finais:
O futuro não precisa ser capitalista – A ideia de que o crescimento infinito é necessário foi contestada, e o painel incentivou a pensar em sistemas econômicos alternativos.
Comunidades podem moldar seus próprios futuros – Ao invés de esperar que grandes corporações ou governos determinem as direções da sociedade, é essencial que grupos marginalizados reivindiquem esse espaço.
Futuro como prática coletiva – Imaginar futuros desejáveis não é um exercício solitário, mas um processo de construção comunitária, inspirado pelo passado e enraizado na ação do presente.
Como esses aprendizados te impactaram? Como você aplica (ou pretende aplicar) o pensamento de futuros no seu dia a dia? Me conta nos comentários!
Link para baixar o report da Amy Webb: https://ftsg.com/trends-download/